"Ah, pra quê chorar
A vida é bela e cruel, despida
Tão desprevenida e exata
Que um dia acaba
Acaba"
Ritual - Cazuza
E ai, como fica a agenda de compromissos, as contas pra
pagar, as viagens tão sonhadas, as metas do ano? Como pode você estar cheio de
vida, de planos, sair pra tomar um açaí e nunca mais voltar? Qual o tamanho da
dor de uma mãe que vê se filho se arrumar pra sair de casa, lhe dá um beijo e
dizer “Mãe vou sair com os amigos, volto já” e não voltar? Eu não consigo nem
imaginar o tamanho da revolta que dá passar a vida toda estudando, se formar
numa faculdade pra no ano seguinte ser
assassinado tão covardemente. Pode isso Arnaldo?
É ai que eu começo a pirar: Vale mesmo a pena me afastar de
tanta gente pra estudar, me esforçar tanto se tudo pode mudar em um piscar de
olhos. Será que minha vida vale menos que minha bolsa, minha carteira? Será que
a inveja pode ser superior a minha vontade de viver? Se eu pensar muito nisso
jogo tudo por ar, por isso estou escrevendo agora, para aliviar meus
pensamentos.
No meio das orações que aconteceram nesse velório eu orei
por esse rapaz tão precocemente tirado desse mundo, por seus familiares e amigos
e por seus assassinos. Sim, até por eles. Eu penso que eles são os mais
perdidos de toda essa história, porque tirar a vida de alguém se motivos
aparentes só pode ser coisa de alguém que não tem perspectiva de vida, não sabe
o que é amor, não tem família ou amigos. É alguém que não sabe o valor da vida
e que pode fazer o mesmo com outras pessoas que, assim como esse rapaz, tenham
sonhos e pessoas que as amam. Eu pedi pra Deus olhar por eles e tocasse seus
corações para que outras famílias não sofram como aquela que eu estava vendo...
com um buraco enorme onde ficava um filho e irmão querido. Como a roda de
amigos que perdia um irmão. Como o cachorrinho que perdeu seu dono. Pode
parecer ingênuo de minha parte, eu sei mas, por mais que eu não seja religiosa,
que não vá a igreja, eu creio em um Deus, O Deus, capaz de tornar o impossível
possível, o mal em bem e a dor em paz de espírito. É, Eu creio.
Eu me senti uma intrusa ali por, no fim das contas, eu não
era amiga dele, muito menos parente. Mas minha amiga estava (e ainda está)
sofrendo então eu estava lá, por ela. Sem contar que a história toda me comoveu
então eu não podia não ir, ficar em casa pirando só. Eu fui, para apoiar minha
amiga, por que tudo que ela precisava era de força, então fui forte por ela,
mas nem conseguir chegar em casa antes das lágrimas descerem. Senti uma dor
cortante no peito, um nó gigante na garganta e então me permiti chorar. Chorei
como há muito não chorava. Chorei por me imaginar no lugar de todos que estavam
ali, inclusive o daquele que não voltou pra casa. Liguei pra uns amigos, para
me acalmar um pouco e depois senti uma vontade louca de mudança, que ainda
paira por aqui, e que possivelmente vá se concretizar em breve (mudança
positiva, garanto).
Desde então sempre que paro reflito e vejo com cada vez mais
certeza que a vida é uma grande piada, uma piada mórbida naquelas que ninguém
rir no final. Ela permite que você sonhe grande, voe alto e depois te faz
despencar, sem a chance de se despedir, de agradecer a todos por tudo. É como
se fossemos Icaro, que quis voar, construiu asas de cera e, quando finalmente
voou, que viu a cidade lá do alto, teve suas asas derretidas pelo sol e caiu
das alturas de seus sonhos. Uma vida derrubada.
À família nada tenho a dizer que possa mudar a nova
realidade deles, tudo que posso dizer é que sou solidária à dor e ao sentimento
de justiça. Minha amiga, conte comigo... Eu posso te ouvir, sair ou me sentar
pra comer brigadeiro à noite toda, é só chamar. Fiquem bem e creiam na justiça
Divina. Eu sinto muito, muito mesmo.