Páginas

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Preciso me encontrar

Há muito tempo não me sinto tão bem, porém ainda não encontrei a paz que tanto busco. É certo que reencontrar àquela que tanto amei e ainda descobrir uma filha adorável foi um enorme presente em minha vida sem lembranças.
Não sei quem fui, não sei se tenho família. As memórias vêm das mesma forma que se vão, mas sempre lembro dela, minha amada. Não lembro bem como nos conhecemos nem quando, mas sei do que sentimos e isso é suficiente para que eu acredite nas palavras que ela me diz, embora eu ainda creia que há muito para lembrar, há muitas brechas, lacunas vazias.
Passei muito tempo em uma prisão requintada. Havia salas arejadas e limpas, jardins, porém eu não podia sair e era altamente medicado. Não lembro quanto tempo passei ali nem da vida que um dia devo ter tido. 
Consegui, após várias tentativas frustadas, sair daquele lugar mas, agora olhando essas grades enquanto caminho por este jardim tudo que sinto é o desejo de fuga. Não sei para onde mas preciso está do outro lado deste portão alto e enferrujado com correntes e cadeados enormes, querem me prender de novo.
Andando por entre as árvores, mato e folhas secas andei sem rumo, perdido em pensamentos tentando juntar as peças, tentando lembrar da minha vida, sinto que tenho tanto a lembrar...  
À frente encontrei uma lápide, não parecia abandonada embora estivesse tão longe de qualquer lugar. Havia um nome, duas datas e uma foto emoldurada. Sentei-me. Olhei a foto de um jovem, com barba e me vieram lembranças: aqueles rapaz com uma moça, ele argumentando com sua mãe sobre seu amor mesmo sendo tão moço e o mesmo rapaz sofrendo um acidente. As lembranças eram tão fortes e os sentimentos tão intensos que me pus a chorar. Ali, diante da lápide com meu nome (ainda que não soubesse se esse era mesmo meu sobrenome) eu chorei. Chorei por mim, por quem fui, quem era e por não poder ser quem eu queria. Aquela lápide era minha e tudo que eu queria eram as lembranças que parecem jazer ali. Senti raiva, angústia, medo, dor... era tanta coisa que as lágrimas acabaram sendo bem vindas. Ao menos eu descobri um sobrenome e lembrei alguns acontecimentos importantes ainda que dolorosos.
Sinto que cada vez mais me aproximo da junção deste quebra-cabeças que tanto me atormenta. Um homem sem memória alguma não tem raízes, não sabe quem é e nem mesmo para onde vai. Só quero me encontrar, me entender. Sentir paz.


*Inspirado em uma cena da novela "Além do tempo" 
exibido em 07.08.2015 pela rede globo."


"Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar"

Preciso me encontrar - Cartola

Nenhum comentário:

Postar um comentário