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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Caminho das pedras

- Dandara! 
Estava distraída lendo sob uma sombra quando tomou um susto com alguém gritando seu nome. Soou estanho porque geralmente a chamam pro Dan ou algum outro apelido carinhoso. Passava das 15h, uma hora de atraso e ela já começava a sentir sede, lembrando que esqueceu sua garrafa inseparável. Sua cabeça estava longe. O chamado era de seu namorado e a mãe dele que já haviam chegado, assim como o ônibus que precisavam pegar. Fechou o livro apressada e correu para subir no coletivo o qual estava um pouco cheio. Apressou-se a sentar no final do ônibus em um dos poucos assentos vagos, deixando os outros dois companheiros de viagem mais à frente. 
Abriu o livro mas permitiu-se vagar em pensamentos. 
Voltou à noite anterior, a discussão, os motivos e finalmente seu lugar ali naquele ônibus. Não acreditava que estava prestes a fazer isso, justamente algo que sempre disse que não faria pelo desconforto que a ideia lhe causara. Na noite anterior mal dormiu decidindo se iria mesmo aceitar convite tão sem jeito quanto esse. Acordou com enxaqueca, que a muito não tinha, e com a garganta irritada (somatização, querida? Acho que sim). De todo modo trabalhou, fez o que tinha que fazer e agora estava ali, sem jeito. 
Ainda assim pensava se deveria mesmo ir, mesmo estando no ônibus era não era obrigada a seguir, certo? Lembrou da conversa com sua melhor amiga, da conversa cautelosa porém negativa com sua mãe e disse que iria sim seguir, e só então decidiria se isso é aceitável ou se será a única vez. Lembrou de seu irmão que sempre precisava sentir na pele quando tinha uma decisão importante a tomar, riu leve com a lembrança e notou que ali estava ela seguindo para sua decisão. Tirou um pouco os olhos do livro e observou seu reflexo no vidro da janela: cabelo armado com cachos modelados e curtos, entregando que lavou as madeixas pela manhã, óculos escuro e batom cor de vinho numa boca pequena e desenhada pela pintura. Se sua mãe a visse faria piada com o biquinho instalado ali, entregando que estava irritada, desde criança nunca soube disfarçar suas expressões faciais.
O namorado se aproximou cauteloso, como se conseguisse ler os pensamentos dela e perguntou se estava tudo bem. O olhar lançado não condizia com as palavras - "claro, tudo bem" - que saíram de sua boca e ambos sabiam que não estava nada bem.
O rosto dele tinha uma barba por fazer, camisa vermelha e um olhar preocupado, estava e conflito: Queria ter aquela mulher com ele, a apoiando enfrentando o desconforto que ele também sente com toda a situação não planejada; ao mesmo tempo era consciente que ela possivelmente não aceitaria viver assim, pelo rosto dela, ele temia perdê-la em breve e não sabia o que fazer... Sentia-se triste também com a resistência dela e a expressão de poucos amigos por esta indo com ele e sua mãe. Quantos sentimentos cabem simultaneamente num olhar?
A viagem foi mais rápida do que o esperado, ao descerem ele foi relatando os pontos de referência e ensinando um caminho que ela pouco se importava em aprender. Logo ela se viu em frente a casa da ex-esposa de seu namorado e a garotinha loira de vestido rosa sai correndo na direção deles.
-Papai!

Continua...

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