domingo, 11 de agosto de 2024

Cais sobre caos - Gragoatá

Rasa corredeira
Nunca foi de descansar
De por ordem às flores no quintal

Cama pra quem deita
Chão pra quem quisesse andar
De subir ladeira em carnaval

De viver
E sonhar
E sentir
Pra lembrar
E doce é a ilusão
Quando o tempo é só algodão

Pele de praieira
O pé que é de buscar o mar
Na juventude a desaguar

Céu de lua cheia
Isca de Iemanjá
Ela era de se enfeitar

De crescer e chorar
E sorrir pra cantar
Que estranha é a razão
Quando a vida e só coração

Distante do que fez entregue ao tempo rei
Força de quem não dá mais sob mas
Preta filha do sol
Mãe, tia, irmã menor

Porto que sempre traz
Cais sobre caos

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Velhinho

 ...e enquanto andava de moto na praia ao fim de tarde, viu uma sombra e o reconheceu: cabelo branco, baixinho, calça social, camisa de botão. Era o vô. E isso a espantou tremendamente, uma vez que ele falecera no dia anterior. 

Afligiu-se em mostrar o que estava vendo ao seu acompanhante, mas o avó, que em vida andava devagarinho, começou a andar rápido, cada vez mais rápido, ate que passou a ser um vulto luminoso. A roupa tornou-se mais clara, tornou-se mais alto, jovem. Por fim correu até sumir. Estava livre.

Havia se libertado da dor, dos aparelhos, amarras, hospital. Estava livre da doença e confusão mental. Era o fim da solidão e confusão mental.

Ela fora dormir pedindo a Deus consolo por sua perda e recebeu esse sonho como presente e seu coração parou de chorar, pelo menos naquele momento.

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Conto de dor

Ele olhou e não pode acreditar. Ela havia voltado após quase um mês desaparecida. Fizeram campanha, ofereceram dinheiro a quem tivesse qualquer informação sobre seu paradeiro, quando já estavam perdendo as esperanças ela apareceu mas na verdade não parecia ela e sim uma outra versão, fria, quase morta andando.
Estava magra como nunca fora, seu cabelo outrora hidratado e encorpado foi estaqueado e os tufos que sobraram eram opacos e quebradiços. As maçãs do rosto estavam marcadas a pele num tom de cinza evidenciavam a falta do sol. Boca sem batom ou sorriso, mas o que mais o chocou foram os olhos: já não tinha olhos sonhadores, apenas um vazio e dor... Ao se aproximar notou manchas roxas, cortes em processo de cicatrização, a mãos não fechava bem e seus dedos estavam estranhamente rígidos.
Ele sentiu as lágrimas queimarem seus olhos e apressou o passo para poder abraçá-la. Ao chegar, ela ergueu os braços com as palmas para cima a nível do tórax e o impediu de tocá-la. Não queria abraçá-lo e pediu que não encostasse. Sem entender ele começou a questionar o que aconteceu com ela, quem fez isso, onde ela estava e todas as perguntas que se faria numa situação dessas.
Com os olhos frios ela contou e ele não esperava pelas palavras que viriam.
Contou que um objeto pequeno e aparentemente sem valor a encantou, com luzes brilhantes ela se viu deslumbrada com o que ele podia proporcionar, sentia que tenha o mundo todo em suas mãos, mas na verdade ele o aprisionou. ela foi consumida, inicialmente de forma lenta e depois cada vez mais intensamente. Não conseguia fazer mais nada, foi tomada pelo medo de perder aquilo que nem mesmo tinha. Tinha medo de tudo, na verdade. Foi abraçada pela ansiedade, roeu as unhas, seu cabelo ficou branco precocemente, ralo e sem vida. Ela não comida devido dor no estômago. Agora ela mal tinha vida, mal sabia o que era alegria real.
Com olhos vidrados e sem emoção contou que ela mesma fizera isso a si e voltara pois conseguiu entender que precisara de ajuda a voltar a ser quem era.
Então ela chorou. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Ato de indepedência

No dia de hoje se comemora nesta República Federativa o dia da declaração da independência do Brasil do Império Português. O feriado trouxe tantas reflexões e questionamentos sobre tantas coisas que acontecem no Brasil. Temos passado por tantas situações tristes, absurdas, que as vezes nem sentimos mais o peso desse ano. como uma anestesia geral. Outras vezes sentimos (e muito) o fardo de sermos filhos dessa terra. O fato é: tá foda viver no Brasil.

Mais ainda se pensar que essas são questões comuns a todos e que cada pessoa ainda é um universo. Cada um tem suas questões para lidar, aprender e dar mais um passo em sua evolução. Coloca tudo isso junto e... eis-me aqui.

Há dias em que tudo me irrita e entristece de modo que sinto uma densa energia ao meu redor. Sinto palpitação, sinto raiva. Tem dia que ligo o foda-se... por meia hora. Não consigo ficar alheia, sinto muito tudo que se passa comigo, com as pessoas próximas e com o lugar que vivo. As vezes tento nem pensar profundamente em nada (de tão cheia de tudo) e seguir fazendo o que dá naquele momento, trabalhando o que o tem para hoje. Nem mesmo escrever consigo (Isso aqui é um milagre em formada de palavras amontoadas e jogadas). Tem sido um paradoxo bizarro ter que escolher estar atenta para não ser alienada e desligar de tudo para preservar um pouco de saúde mental.

E exatamente pensando nela, e inspirada na data de hoje, resolvi resolvi declarar minha independência. Achei por bem começar as mudanças por mim, pelas energias que permito que me cheguem, pela energia que quero transmitir em tudo que faço e pela que quero atrair para minha vida e projetos.

Comecei me arrumando para ficar em casa mesmo, coloquei uma blusinha vermelha confortável, uma saia jeans florida que não usava há meses (ou anos) e arrumei o cabelo, sério,  sentir como se fosse sair, me ver bonita já ajudou na animação. Amo ficar de pijama mas, dá também uma sensação de inércia e eu tô bem cansada disso nos últimos tempos. Coloquei minhas córneas de vidro e PÁ!, o mundo ficou mais bonito, mais nítido. Imediatamente eu queria ver tudo, ler tudo e aproveitar o máximo possível dessa visão. Sentindo-me uma vencedora ("só" por ter feito essas duas coisas) e produtiva, sentei frente a minha escrivaninha empoeirada (tadinha) e tomei notas e organizei meu planner já abandonado e esquecido. Passei horas e naquele cantinho.

Sentada ali e vendo tudo mais bonito resolvi deixar de seguir, pelo menos por um tempo, páginas e pessoas que me colocavam em vibrações negativas de raiva e tristeza ou que não somava em nada útil para mim, Senti leveza a cada unfollow dado. E lá se foram mais de 30 perfis em menos de 10 minutos.

Pensa que acabou? Nããão! Fiz cruzadinhas (amooo desde sempre) e li uns livros quase esquecidos na estante. Falando de livros aproveitei para comprar alguns. Eu sei que deveria evitar pois tenho algumas prateleiras cheias de livros nunca lidos ou terminados que compro muitas vezes por impulso mas dessa vez pensei bastante e só comprei livros com potencial de me trazer reflexões e edificar de alguma forma, isso por si só já é incentivo mais que suficiente e um válido investimento em mim mesma.

Por fim, fui fazer os afazeres de casa e resolvi abri uns podcasts (totalmente influenciada por uma amiga). Abracei esse mundo como quem rever um velho amigo e busquei temas que me ajudem no processo de autoconhecimento e de me entender como alguém nos meios que hábito, foi TÃO maravilhoso. Ouvi vários e entre eles descobri várias músicas novas que fiz questão de cantar alto pela casa. 

No fim do dia refleti sobre tudo que tinha sentido e feito e notei que colocar os olhos do corpo e da mente para funcionarem faz mudanças positivas percepção do (meu) mundo. Lentes limpas trazem uma melhor imagem dos que se passa e do que pode ser feito. 

Achei por bem começar as mudanças por mim, pelas energias que permito que me cheguem, pela energia que quero transmitir em tudo que faço e pela que quero atrair para minha vida e projetos. Se todos os dias serão assim, não sei, mas esse foi o meu primeiro ato consciente de independência nos últimos tempos.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

O que eu quero antes dos 30 - 2 anos depois

Há pouco mais de 2 anos eu e uma amiga escrevemos o que desejávamos ter ou fazer na vida quando chegássemos a casa dos 30 anos. Pois bem, hoje estamos na casa dos 27 e, revendo a lista vi que muita coisa mudou, muitas coisas não realizei e outras não são mais prioridades. Fiquei pensando como as coisas mudam e a gente ainda assim tenta planejar e com prazo de realização. A realização pode vir de imediato ou tardiamente, agora acredito que tudo esta de acordo não com nosso pensar mas com a intensidade de nossa fé e perseverança em vários aspectos além do simples querer.
Diante de tudo isso fiz uma nova lista, dessa vez sem prazo e mais realistas (suponho)
Vou deixar registrado aqui para reler futuramente:

01 - Confiar cada dia mais nos planos de Deus
02 - Conseguir pagar minhas contas sem sofrimento
03 - Me organizar para ter lazer em doses necessárias para os dias e semanas
04 - Fazer uma boa viagem anual
05 - Abraçar mais e sempre
06 - Casar e conviver de forma harmônica com nossas diferenças e desafios
07 - Apoiá-lo e encontrar apoio nele
08 - Manter minhas amizades sempre fortes
09 - Está sempre bem para ajudar os outros, mas ter contar com quem contar quando não estiver bem também
10 - Pensar em Iniciar um mestrado
11 - Encontrar na família muito mais harmonia que desavenças 
12 -Trabalhar para ter minha casa cada vez mais aconchegante
13 - Estudar mais e sempre aquilo que gosto e acredito
14 - Escrever mais e colocar isso como um exercício diário, para quem sabe algum dia, fazer um livro

Pensei em mais itens mais seria redundante, tudo em essência esta ai. É  fixo? Não, nunca é.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Caminho das pedras

- Dandara! 
Estava distraída lendo sob uma sombra quando tomou um susto com alguém gritando seu nome. Soou estanho porque geralmente a chamam pro Dan ou algum outro apelido carinhoso. Passava das 15h, uma hora de atraso e ela já começava a sentir sede, lembrando que esqueceu sua garrafa inseparável. Sua cabeça estava longe. O chamado era de seu namorado e a mãe dele que já haviam chegado, assim como o ônibus que precisavam pegar. Fechou o livro apressada e correu para subir no coletivo o qual estava um pouco cheio. Apressou-se a sentar no final do ônibus em um dos poucos assentos vagos, deixando os outros dois companheiros de viagem mais à frente. 
Abriu o livro mas permitiu-se vagar em pensamentos. 
Voltou à noite anterior, a discussão, os motivos e finalmente seu lugar ali naquele ônibus. Não acreditava que estava prestes a fazer isso, justamente algo que sempre disse que não faria pelo desconforto que a ideia lhe causara. Na noite anterior mal dormiu decidindo se iria mesmo aceitar convite tão sem jeito quanto esse. Acordou com enxaqueca, que a muito não tinha, e com a garganta irritada (somatização, querida? Acho que sim). De todo modo trabalhou, fez o que tinha que fazer e agora estava ali, sem jeito. 
Ainda assim pensava se deveria mesmo ir, mesmo estando no ônibus era não era obrigada a seguir, certo? Lembrou da conversa com sua melhor amiga, da conversa cautelosa porém negativa com sua mãe e disse que iria sim seguir, e só então decidiria se isso é aceitável ou se será a única vez. Lembrou de seu irmão que sempre precisava sentir na pele quando tinha uma decisão importante a tomar, riu leve com a lembrança e notou que ali estava ela seguindo para sua decisão. Tirou um pouco os olhos do livro e observou seu reflexo no vidro da janela: cabelo armado com cachos modelados e curtos, entregando que lavou as madeixas pela manhã, óculos escuro e batom cor de vinho numa boca pequena e desenhada pela pintura. Se sua mãe a visse faria piada com o biquinho instalado ali, entregando que estava irritada, desde criança nunca soube disfarçar suas expressões faciais.
O namorado se aproximou cauteloso, como se conseguisse ler os pensamentos dela e perguntou se estava tudo bem. O olhar lançado não condizia com as palavras - "claro, tudo bem" - que saíram de sua boca e ambos sabiam que não estava nada bem.
O rosto dele tinha uma barba por fazer, camisa vermelha e um olhar preocupado, estava e conflito: Queria ter aquela mulher com ele, a apoiando enfrentando o desconforto que ele também sente com toda a situação não planejada; ao mesmo tempo era consciente que ela possivelmente não aceitaria viver assim, pelo rosto dela, ele temia perdê-la em breve e não sabia o que fazer... Sentia-se triste também com a resistência dela e a expressão de poucos amigos por esta indo com ele e sua mãe. Quantos sentimentos cabem simultaneamente num olhar?
A viagem foi mais rápida do que o esperado, ao descerem ele foi relatando os pontos de referência e ensinando um caminho que ela pouco se importava em aprender. Logo ela se viu em frente a casa da ex-esposa de seu namorado e a garotinha loira de vestido rosa sai correndo na direção deles.
-Papai!

Continua...

Cansada

Tá vendo essa sombra aí? É uma pessoa. Passou o dia, passa os dias assim, ora dormindo, ora olhando para o nada. Lhe faltam forças até para se alimentar - pelo ruído, fazem algumas horas que não come. Ou muitas... ela mesma nem expressa mais incômodo com a dor da fome. 
Paciência, virtude que sempre se orgulhou se possuir, já nem existe mais e ela questiona o que mais deixou de ser ou ter nos últimos tempo. Quem estaria se tornando? Quanto as pessoas, lugares e coisas que não poder ter agora são essenciais para a essência dela? 
Mas como pode estar assim, tendo tudo: teto, alimento, companhia, livros se quiser ler, celular com internet para papear... verdade, na verdade nem ela mesma sabe o que lhe falta além de uma motivação. Sente-se desanimada para qualquer coisa que exija uma energia que ela acha não ter mais. Sente que não pode fazer planos pois o futuro é cada vez mais incerto, sente constantemente raiva por injustiças crescentes, incontáveis incoerências e a sensação de estar presa a faz sentir como um animal "murfino" recém enjaulado.
Ela sabe, dentre todas as pessoas próximas ela é a que mais sabe sobre o que está acontecendo com ela mesma, o porquê e o que pode lhe causar a curto, médio e longo prazo, o que pode lhe causar biologicamente, energeticamente, fisicamente, mentalmente e socialmente. Ela sabe de tudo e segue sem força. A ignorância as vezes é uma benção... talvez se não soubesse baobás incomodasse tanto ou talvez teria mudado os rumos antes. 
Agora ela está ali, olhando para a luz do poste lá fora, refletida da parede do quarto, vê a sombra dos pingos da chuva na janela e se questiona porque não faz outra coisa, porque não vai estudar, porque não ler um livro, porque não fala, porque não usa uma das suas terapias, porque simplesmente não escreve o que sente.
O estômago fala, grita na verdade, e ela... olha para o nada, questionando quando os dias melhores virão.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Estiagem

Faz mais tempo do que eu gostaria de admitir, eu sei.
É amargo dizer mas, após os últimos acontecimentos, achei que escrever seria uma das coisas que amo e que eu não faria mais. Meu lado criativo se fechou e a fonte secou, mesmo tendo muito o que gritar, não conseguia. Nem torto, nem nada, nada mais saia de mim. Era triste sentir tudo acumulando sem um escape decente, com isso eu tive alguns surtos de tristeza profunda, euforia, muitas ideias soltas de uma vez só e nada de constância. Não me fazia bem, eu sentia e doía muito não ter a tão fiel companhia das palavras, minhas ou de outros autores que eu gostava de ler.
As vezes eu achava que me faltava fé, que as coisas precisavam de tempo para se ajustar e eu era impaciente, mas ai eu lembrava que já passei por tantas outras situações, piores até, e sempre pude contar com um bom livro, caderno e caneta. Outras vezes pensei que exigi muito de mim mesma ao dedicar por tanto tempo seguido à produção científica. Enfim, não saberei dizer tão cedo onde esta o X da questão, o fato é: nos últimos dias coisas que eram comuns em outros tempos ressurgiram, trazendo a sensação de algo inédito e me enchendo de uma esperança que eu jã nem lembrava. 
Eu nunca deixei de amar livros e por isso mesmo sempre passeava nas livrarias, admirava nas prateleiras alguns títulos e levava para casa na esperança de despertar a leitura de novo. Isso me rendeu uma estante cheia de livros não lidos em casa. Na última semana, no entanto, despretensiosamente foi avassalada por um livro nas primeiras linhas. Não me contive e levei para casa, em menos de duas horas, devorei. Devorei como a muito não fazia, como se estivesse num deserto e tivesse encontrado um incrível oásis. Era como se tivesse faminta por cada verbo, cada oração, cada jogo de palavras. E estava mesmo, mas só me dei conta do tamanho quando terminei o livro e vi que não lembrava da última vez que tinha lido um livro de uma vez e o quanto eu valorizava leituras instigantes, que me prendiam e me davam muitas ideias e mostravam que eu poderia pesquisar mais sobre alguns temas que traziam. 
Eu conhecia aquela onda quente. Explosão. Processo criativo.
Queria gritar pro mundo todo: Senhoras e senhores, voltei!, mas não era bem assim, não podia me antecipar dessa forma, afinal poderia ser só euforia. 
Peguei aquele livro que desde o ano passado havia iniciado leitura e não terminara. Não era um livro ruim: história envolvente, personagens cativantes, temática central atrativa, descrições detalhadas. Era tudo que eu apreciava em um livro. Ele era bom e eu que não estava tão bem assim. Aos poucos fui lendo e esta noite terminei. Nas últimas páginas eu estava tão emocionada por enfim estar terminando que chorei. Já chorei com outros livros mas dessa vez era diferente, não era pela história mas sim por está conseguindo virar a página, literalmente, desse meu período que apelidei "carinhosamente" de  Idade Média. Muitas coisas ficaram pelo caminho do ano passado para cá, muitas coisas inacabadas, esse livro era uma delas, a representação da minha leitura inexistente. O fim de um dos meus hobbies, uma das minhas válvulas de escape inoperante e aparentemente obsoleta, uma lembrança boa. Concluir esta leitura foi importante e marcante para mim, após tanto tempo, eu precisava disso. Chorei com o coração aquecido, por sentir que aos poucos as coisas vão se ajustando, um passinho por vez, sem afobação. Esse texto veio junto com o sentimento que me encheu, do ser capaz de. Capaz de terminar, capaz de escrever. Capaz. 
Meu bem e amigas, obrigada por sempre me incentivarem mesmo que eu resmungasse que não podia mais. Obrigada por acreditarem mais em mim do que eu mesma. Obrigada por dividirem a fé de vocês comigo quando estou sem.

Esse provavelmente não é o meu melhor texto, mas certamente é um dos importantes. Marca o fim de uma estiagem que eu nunca tinha passado no quesito Escrever. Vou chover ainda, preparar essa terra com paciência e só então florir. Com calma, em paz. 

domingo, 9 de dezembro de 2018

O redator - Zimbra

Eu vi você pulando a minha página
Talvez você só queira ler depois
Não fiz tanta questão de ser direto assim
Talvez você perceba isso depois
Eu sempre fui tratado muito bem
Nos meios dessas linhas que eu já fiz
Seguiam pelas coisas que eu falei
Mas a metade mesmo diz
Que é tudo versificação
De alguma história que eu refiz
Me lembro de ter que explicar
Como é que essas coisas funcionam
Evito de ter que pensar
Que as melhores frases se foram
E não voltarão pro lugar
Pro mesmo rascunho que entrega
Milhares das informações
Que nem todo mundo
Pensei em anotar tudo que você diz
Daria uma bela matéria no jornal
Na parte de entretenimento ou coisa assim
Já que você não chega até o final
Me lembro de ter que explicar
Como é que essas coisas funcionam
Evito de ter que pensar
Que as melhores frases se foram
E não voltarão pro lugar
Pro mesmo rascunho que entrega
Milhares das informações
Que nem todo mundo se apega
Tá tudo bem com você?
Faz tempo que você não escreve
Eu sinto tanta falta de ler
Seus textos fabricados em série
Escreva alguma coisa, por favor, meu bem
E lembra de assinar no fim da folha

A primeira vez com ele

"Já faz um tempo mas eu gosto de lembrar" 

Depois que transei primeira vez, esse trecho de "Não é sério", do CBJr., nunca mais foi o mesmo para mim, pois me remete àquela noite que eu gosto de lembrar. Aquela...
Estávamos junto há um tempo e eu já o queria mais para além dos beijos. Ele, queria bem mais que eu, porém era paciente e compreensivo, respeitando meu tempo. Eu pensava vez ou outra como seria, o quanto eu queria e o quanto poderia ser bom apesar de todas avisarem que era ruim a primeira vez, porque doía, contando suas experiências. Sim, não era só a primeira vez com ele, era também a primeira vez na vida!
Apesar de toda pressão que há sobre esse assunto tão polêmico e que deveria ser pessoal, eu estava tranquila. Ciente da possível dor eu não me "traumatizaria", nem iria com receios, "moça, só relaxa e..." vocês sabem.
Lembro bem desse dia: Eu coloquei aquele vestido canelado com listras que me veste bem apesar de estarem dispostas na horizontal (todo mundo sabe que engorda, mas eu estava plena mesmo assim), um sapato confortável, fiz uma maquiagem leve e amadora (ler-se batom e rímel) e arrumei a mochila: Nela estavam alguns itens de trabalho para realizar o atendimento agendado para o fim de tarde e o necessário para dormir fora, afinal, seria noite das meninas e assim que acabasse de trabalhar ia para a casa de uma delas para uma super noite de pizza, vinho, música, conversas e gargalhadas. E assim aconteceu.
A pizza estava ma-ra-vi-lho-sa! Para quem tinha trabalhado a tarde toda e pode desfrutar de uma bela massa com bordas recheadas... não tinha preço! A conversa, nem se fala, sempre é uma delícia estar com elas que tanto me fazem bem. O riso é sempre certo nos nossos encontros, mesmo que comece com frustrações o desabafos. Ah e claro, o vinho sempre será uma ótima pedida para nossos encontrinhos, mesmo que uma delas não beba.
Não lembro se foram uma ou duas garrafas mas sei que postei fotos, vídeos, em todas as redes sociais (coisa que eu nem costumava fazer, vale lembrar) fiz chamadas de vídeo... tudo que atestasse que eu estava ali, para poder fugir em paz, caso eu assim decidisse fazer.
Aproximando-se da meia noite alguém falou em ir para uma balada, acho que foi o irmão da amiga-anfitriã da noite. A possível balada seria numa região mais central da cidade, um tanto longe de onde estávamos. O povo começou a se animar, menos uma que teria aula no dia seguinte. Ai eu pensei "Que tal hoje?" Sim, eu havia decido e ele obviamente não acreditava nenhum pouco que eu iria para lá. A anfitriã e seu irmão já estavam prontos para pedir o uber, a moça da aula decidiu que ficaria lá mesmo para ir cedinho para a aula, dispensando a balada e eu disse que ia para a casa dele. Todo mundo ficou sem entender, porque eu disse do nada. O irmão da amiga ficou dizendo coisas do tipo "Que namorada massa, indo uma hora dessas pra casa do cara" e as meninas um tanto chocadas pois sabiam que eu nunca tinha feito isso e estava muito tranquila e decidia pelo mesmo motivo. Por volta das 2h pedir um uber para minha amiga e seu irmão irem para a balada e a amiga que ficou em casa pediu um uber para eu ir para a casa do sortudo da noite (nada de deixar rastros da fuga. Garota esperta.). Entrei no  uber e segui conversando normalmente, não me importando com os fatos que geralmente me preocupariam: (1) estar num carro sozinha com um desconhecido, (2) estar num carro sozinha com um desconhecido na madrugada e (3) estar num carro sozinha com um desconhecido na madrugada indo para um lugar que eu nunca fui. É possível que o álcool tenha dado uma dosezinha de coragem? Sim, é possível mas, até aquele momento eu não estava arrependida.
O motorista era um cara romântico e foi o caminho todo me contando a sua história de amor com sua esposa, desaprovada por seus pais. Mostrou-me fotos do filhinho deles e foi muito gentil por toda a viagem, que era um pouco longa mesmo sem trânsito e passando por todos os sinais. Deu até para apreciar a cidade: tranquila, iluminada na maioria dos trechos que passamos, pude notar algumas placas e fachadas que nunca tinha visto até então, mesmo já tendo passado por boa parte do caminho, coisas da nossa vida corrida. Ao me aproximar do destino final nos perdemos e isso me deixou um tanto preocupada, afinal, eu não estava num bairro tranquilo. O sortudo estava no meio da rua, aposto de incrédulo e assim facilitou o término da viagem. Cheguei, é isso.
Ele pegou minha mochila e entramos. Não dava para ver muitos detalhes mas uma espécie de vila, com alguns carros estacionados ali onde parecia uma ruazinha sem saída. Subimos vários lances de escada até chegar na varanda dele, que era bem arejada. Tinha uma lavanderia e um lugar para armar rede. Parecia ser um espaço bom para churrasco e reuniões reservadas. A porta era de vidro e havia uma pequena antessala. Subindo um degrau tinha-se a cozinha e depois, a suite. Coloquei minha mochila numa mesinha, avisei as minhas cúmplices que havia chegado bem e fui ao banheiro lavar as mãos para tirar as lentes. Feito isso, ele não perdeu tempo e começou a me beijar. Quando vi já estava deitada, e enquanto ele subia em mim, aquele calor subia junto. Meu vestido, pobre vestido, já estava amarrotado e eu só pensava em como ficaria mais confortável sem ele. Concordamos então o tirei. Enquanto tirava pude notar rapidamente que havia uma tevê ligada e que tinha um filme passando, perguntei qual era e comecei a rir ao notar que estava em outro idioma, mandarim  se não me falha a memória. Não lembro qual filme era mas acho que gostaria de assití-lo só para saber se era melhor do que o que estávamos fazendo ali. Duvido.
Ok, então, depois de nos livrarmos das roupas tão desnecessárias ali, ele me mostrou o quanto a boca dele pode ser boa quando usada para outras coisas além de falar e beijar minha boca. Ganhei beijos no pescoço, costas, barriga, pernas... Onde você imaginar e tudo era bom. Vez ou outra ele perguntava porque eu estava rindo, ora era porque estava bom e outras vezes por cosquinha (igualmente bom), eu estava feliz ali. Chegada a temida hora eu comprovei: sim, dói, mas nada de desistir. Eu fui lá para isso mesmo, certo? Pois bem, mostre que você é decida, garota! 
Ele tentava ser delicado e dizia coisa que me acalmassem mas eu sempre fui desbocada e dizia "C@r@lho, isso dói" e ele, na tentativa de amenizar minha tensão todo sem graça disse "tá, mas é um" eu, com toda minha delicadeza meio que gritei que, iria dar um "consolo" para ele de presente para ele saber como doía uma coisa dessas num lugar inexplorado. Ele teve crise de riso, eu tive crise de riso e a gente quase parou de tanto rir. Mas não paramos. Confesso que fiquei surpresa com o tanto de sonoplastia que proporcionei e com o volume também (por sorte não eram meus vizinhos).
Rimos a noite toda. Estava alvorecendo quando fomos tomar banho juntos para poder dormir. Acordei poucas horas depois, dentro do abraço dele, numa conchinha. Não imaginei que dormir junto seria bom, mesmo me mexendo muito consegui dormir bem (por sorte foi só o começo de nossas conchinhas).
Ao amanhecer, comemos alguma coisa e ele foi me deixar na parada. Peguei o ônibus errado, para variar e inventei uma história para justificar minha decida numa parada nada a ver. Cheguei em casa moída, da caminhada e da noite. Dormi logo e acordei com ele já na porta lá de casa, fingindo estar me vendo só agora. Cara de pau, não sei quem de nós dois era o melhor ator.
Sim, mesmo sendo a primeira vez, eu aproveitei a viagem, "cheguei lá" e depois disso as coisas só melhoraram, a cada dia que passa a gente descobre algo novo, testa e se diverte. Hoje em dia não é só transa, também tem amorzinho, sexo selvagem, sexo acrobático, para fazer as pazes... Podemos ter nossas brigas e divergências mas, nesse aspecto... sempre nos demos bem. E é bom lembrar de como tudo começou: foi um momento louco e de muita coragem por me aventurar noite adentro saindo de outra ponta da cidade, de muito riso, companheirismo e amor. Foi uma coisa beeeem aquariana? Foi.
Foi tão leve quando eu gostaria que fosse e, mesmo que terminemos algum dia, o que espero que não aconteça, eu sempre terei esse sorrisão no rosto quando lembrar da primeira vez com ele.



Esse é um texto da série que faço com a Liz, onde escrevemos o mesmo tema sob a perspectiva de cada uma. Para ler o texto da dela clica aqui.

sábado, 27 de outubro de 2018

Ansiedade

Os dedos doem pelas unhas exacerbadamente roídas, as vezes sangram, inclusive.
Meu rosto entrega as seguidas noites mal dormidas.
A playlist "Na bad" já triplicou seu número de canções.
As pessoas notam minha boca calada e esse riso amarelo no lugar da gargalhada sempre alta.
O que não como já faz falta nas minhas roupas, cada dia mais vazias de mim.

A mente, outrora ágil e ativa, hoje mal consegue produzir além das frases melancólicas sobre esse tema batido:
Ele, eu, nós.
Fico pensando nas brincadeiras, nos planos feitos e não concretizados, nas viagens que não fizemos, mas vitórias que não comemoramos, nos amigos e familiares que não conhecemos, histórias que não dividimos e tudo isso só me deixa assim, sem cores, com essa palpitação que não me deixa dormir (presença cativa aqui), junto com o aperto no peito, falta de ar... então eu roou mais uma vez as unhas que já não tenho.  

E como explicar que eu quero ficar mas preciso ir?
E como mudar sem nos ferir?
Como continuar sem achar que estamos nos prendendo por medo de ficar sem o outro?
São tantas dúvidas, tantas perguntas sem respostas que eu fico assim, nesse mundo meio cinza pensando em tudo isso que tem a ver com nós.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Merthiolate

A gente não foi a Pipa, Galinhos ou Monte das Gameleiras.
Não fomos a Argentina, Canadá ou Japão.
Não fomos a nenhum casamento de amigos nossos.
Você não me deu um anel de cocô ou de ouro.
Não comemoramos aprovação e posse em algum concurso.
Não comemoramos sua habilitação.
Não conheci sua filha.
Não conhecemos a família distante um do outro ou as histórias que nos fazem.
Tanta coisa não vivemos e queríamos ter vivido que dói pensar e mais ainda se pensar no que ainda poderíamos sonhar. O difícil não é tomar decisões e sim sustentá-las quando se ama, quer bem, se importa. 
Não pense que tá sendo ótimo do lado de cá. Cada pensamento nostálgico, seja do passado ou do futuro, é como se fosse Merthiolate (dos meus tempos de infância obviamente) num arranhão dos mais enormes que já consegui: Arde e faz chorar.

sábado, 20 de outubro de 2018

A Raiva que deu

Estávamos deitados numa rede naquela sala pequena pós almoço de domingo. Não dava para nos mexer muito pois minha cabeça poderia bater na estante, as costas dele no sofá... então ficamos quietinhos, aguardando o tão esperado momento.
A semana toda, duas semanas da verdade, caiu de mim uma venda que eu mesma havia posto e, ao me dar conta disso não me senti confortável com tudo como estava. As coisas precisavam mudar e tinha quer ser logo se não eu mesma me mudaria. Fiquei dias e dias pensando na vida, distante, estranha. Ele estava com muito receio, prevendo o fim assim como eu, que tentava ao máximo encontrar um momento certo, as palavras certas, e já era domingo de tarde e nada havia sido dito. Em poucas horas eu viajaria e nada mudaria.
Ele me beijou e depois de um tempinho, eu cedi ao beijo e foi bom mas começou e me subir uma... uma raiva, e eu comecei a bater nele com uma almofada (e não só ficou por ai, boatos que teve até paus e pedras) por me fazer gostar tanto mesmo sendo tão diferentes um do outro. Ele, por sua vez não estava entendendo nada e só conseguia rir, porque eu estava engraçada (já ouvi isso outras vezes, que quando eu estou irritada fico engraçada pois começo a falar alto, gesticular demais...)
Na verdade, minha raiva maior era de mim mesmo, por estar numa situação desconfortável e não conseguir mudar ou sair. Não gosto de me sentir vulnerável e gostar dele faz isso comigo, me deixa de uma situação que eu não aceitaria de forma alguma em outros tempos, uma eu de uns anos atrás. E o que fiz com essa raiva? Dissipou mas a venda caída me deixa a cada dia um pouco mais desgostosa com tudo isso e as possibilidades de futuro com tamanhas diferenças.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Cores e concreto

Eu fui dormir com a cabeça cheia. Muitas ideias, sonhos, projetos e o duro baque da realidade "não da tempo", "não tem grana para isso", "vai ter que esperar", "onde está seu juízo, criatura?"
Foi muita coisa para um único dia e eu resolvi não conversar com ninguém, ficar na minha um tempinho (já alugo muito meus amigos com minhas neuras) e então apaguei.
O dia começou e apesar do peso, o lado sonhadora falou mais alto. Comecei a cogitar ideias, conversei com minha mãe e ela, que sempre espera mais de mim, ficou preocupada com o tanto de ideias boas e grandes, oportunidades que estão me surgindo e disse "apoio tudo que você quiser fazer, mas não se cobre para dar conta disso tudo. Não se mate, olhe por usa saúde, sua alimentação". Ok, ponto para ela, nessa altura no ano e o tanto de coisa que deve ser finalizado em outubro e até dezembro, qualquer pessoa pode duvidar da minha capacidade. Eu mesma, inclusive.
Até ai, tudo bem mas falar com ele foi o que me deixou assim, o que me botou aqui para escrever e tirar isso de mim (só assim volto para os projetos). No começo ele até tava na minha vibe, com ideias e tal, mas rapidamente a coisa muda quando ele diz (usando fala mansa e tentando amenizar as palavras) que eu estou fazendo muitas coisas e não me especializando em nada, que assim eu nunca vou ser boa em uma coisa, não dar o meu melhor em algo porque divido meu foco em muitos assuntos.
Eu, que estava verborrágica na hora do almoço, calei. E estou assim ainda, em poucas palavras, pensando no que está acontecendo comigo, com esse tal relacionamento. Eu não sei, mas não é de hoje que tenho receio em dividir minhas coisas com ele, que é tão "realista" e um tanto pessimista também. Não vibramos na mesma frequência. Eu, que tanto sonho fiquei assim, com essa sensação estranha de uma tristeza comigo mesma por me questionar sobre o que estou fazendo, por ter conversado sobre minhas metas de vida as quais obviamente ele não tem visão para visualizar esses sonhos comigo e, principalmente o que nos prende um ao outro.
Pode ser a TPM atacando? Pode, mas não acho que seja só isso.


******

Nota Mental: Não dividir meus sonhos com quem não sonha comigo. Não ter filhos com gente negativa. Pensar muito antes de casar (tipo, muito mesmo. Aliás, se puder nem casar! Obrigada, de nada).

sábado, 25 de agosto de 2018

A luz que o outro traz

Acordei já me sentido cansada, assim como ontem, anteontem, semana passada... Os dias não têm sido como eu imaginava. As vezes me pergunto se estaria me sentindo assim se tivesse feito outras escolhas, sei lá, nem vale muito a pena né?! É aqui onde estou agora.
Saio cedinho e as alegrias do dia ainda estão em ajudar os outros, ainda bem que posso, mesmo que o tanto que eu faça não seja reconhecido e eu seja tratada com mais desdém que uma aluna de primeiro período e não como a profissional que me esforço para ser.
Fiquei feliz que esse dia chegou, cheio de atividades externas, o que me proporciona sair daquele ambiente que me desanima. Mesmo tento um turno lá pelo menos eu estaria bem ocupada dessa vez.
Cheguei para meu atendimento no horário habitual, organizei minhas coisas, vesti o jaleco e esperei os prontuários chegarem. Enquanto não vinham, observei a sala. Um espaço de mais ou menos 3m², teto alto, paredes pintadas de amarelo com várias partes caindo, deixando transparecer o branco de uma tinta anterior e cheias de infiltrações. A iluminação também não é muito boa e há um cheiro de mofo e insetos quando ligo o ar condicionado (antigo, barulhento e que pinga dentro da sala), o que deixa o ambiente pouco confortável até mesmo para mim que mal noto o lugar hoje me dia. Acho que me habituei. 
As cadeiras são antigas, de metal, pintadas em um tom marfim e se arrastadas fazem um barulho bem irritante. A mesa á minha frente tem um tampo de granito cinza e é instável, de modo que se eu não me apoiar corretamente quando for escrever ela fica pendendo para um lado e para outro. Por mais que eu soubesse (ou achasse que soubesse) da realidade da atenção básica no país, não imaginava que estaria numa lugar assim. Dei mais uma rápida olhada, suspirei e decidi que já era hora de começar.
O primeiro caso foi uma senhorinha fofa, com cara de vó que faz bolo e crochê pros netos, sabe?! A consulta foi proveitosa pois vi nela vontade de mudar e permissão para que eu possa ajudar e isso vai me dando doses de alegria, por saber que estamos plantando uma boa sementinha ali, que o tanto que estudei e estudo vai servir para dar qualidade de vida a alguém que pouco conheço mas me importo.
Parcialmente revigorada, chamo o segundo paciente do dia, e ai vem ele. Mal sabia o que me esperava: um rapaz educado, inteligente, de 6 anos, acompanhado por sua mãe. 
Ele usava um óculos com armação estilosa, tipo de nerd e estava todo arrumadinho. Uma graça. Contou-me sua história muito bem e sozinho, conversava bem e eu já estava animada com aquela criança. Sabe, materno-infantil é uma área que eu gosto bastante e pretendo seguir; atender crianças me faz entrar num outro modo da minha profissão, no qual eu tento deixar essa criança o mais confortável possível, não usado palavras difíceis, brincando e respeitando suas preferencias dentro do possível para exercer meu papel.
Em determinado momento a mãe me contou que ele havia comentado em casa que, caso eu o restringisse de algo que ele gosta muito, não ia querer me ver mais e, por mais que fosse algo que eu não indico, era algo que poderia ser mantido por enquanto. Com isso ganhei a confiança do rapaz a minha frente. Ponto pra mim.
Terminei minha avaliação, sondando o que ele gostava e não gostava e fiz alguns acordos, tentando melhorar o que ele gostava. Ao final ele parou, solenemente, e disse: Tudo bem, eu vou fazer tudo isso que você pediu, estou fazendo um juramento com você." Nesse momento ele estendeu a mão direita com quatro dedos flexionados, mantendo apenas o mindinho estendido. Sim, ele estava fazendo um juramento do dedinho (aliás, do mindinho, como ele mesmo me corrigiu) comigo.
Aquilo me pegou de surpresa. Aquela inocência e seriedade que ele estava depositando no nosso momento me desconcertou de um jeito que eu não estava preparada, só em lembrar sinto as lágrimas arderem nos olhos. Sabe quando você esta fazendo um esforço colossal para se manter firme e vem alguém sorrindo e diz algo que lhe conforta de algum modo? Foi tão revigorante, tão belo, mesmo naquela sala de pouca ambiência, mesmo no local que eu pouco sou reconhecida pelo meu trabalho, ali com o dedinho estendido aquela criança brilhou. Brilhou de um jeito que na simplicidade (para muitos) do seu gesto foi a luz que eu precisava e não sabia, ou sabia e fingia que não precisava por não saber onde encontrar.
E quantas pessoas a gente encontra disposta a iluminar nossos dias, não é?! Quantas vezes a gente corre da luz com medo de cegar, nos acostumamos a sofrer calados ou reclamar sem ação, sem tentar mudar.
Crianças são a representação do recomeço, esperança, são verdeiras, tão e transmitem sinceridade. Nos últimos dias eu me encontrava num estado de cobrança e autocobrança frequente, pensando no futuro e me sentindo inerte, sem certezas. Tenho me desgastado com situações que me fazem mal e por mais que eu tente não pensar, hora ou outra elas vêm. Momentos como esse, com essa criança de 6 anos, que durou menos de um minuto, mudou minha energia e eu duvido que em sua inocência ele soubesse que poderia tanto com aquele dedinho solene.
Segurei-me para não chorar ali, mas em casa me permiti senti, deixar ir o que me incomodava e não merecia estar mais em mim. Fiz um juramento comigo mesma: lembrar daquele momento ou similar, quando me sentir esgotada. Buscar pessoas que transmitam luz e levar aos outros também. Estar entre iluminados nos afasta das sombras e reacende o caminho que vez ou outra some.
Rapazinho, muito obrigada por confiar em mim e me relembrar do bem que uma criança pode fazer. Já estou ansiosa por sua próxima visita.

"Vamos fazer o juramento do dedinho mindinho

Juntar o meu mindinho com o seu mindinho 
Então fechou o trato tá feito."