sábado, 18 de novembro de 2017

Rainha das limonadas

Há alguns anos falei aqui como era difícil ser a Pedra, a Rocha da casa, que aguenta tudo, por todos. Na época eu estava no meio do furacão que durou alguns anos da minha vida, os que deveria ser os mais divertidos - infância II e adolescência.
Hoje em dia eu tenho esse assunto como um passado; chato, doloroso e importante passado e falar dele ainda é algo que requer organização das ideias, embora eu esteja me saindo relativamente bem ao longo das tentativas.
Quando eu tinha uns 10 ou 11 anos fiquei sabendo, sem entender bem, que minha mãe não estava feliz no seu trabalho, já tinha um tempo, e estava sendo acompanhada por psicólogo e psiquiatra, fazia terapias individuais e grupais. Pouco tempo depois eu aprendi o que era assédio moral e que ela passava por isso com sua chefe. Uns dois anos mais tarde, quando minha avó paterna faleceu, aprendi o que era depressão, TOC e bipolaridade. E medo.
Eu tinha muito medo: medo de perder a pessoa que mais amo dessa vida, medo de sair de casa e acontecer alguma coisa, medo das variações de humor, medo do conteúdo das próximas frases, medo de perder a paciência e falar ou fazer o que não deveria... era tanto medo que tirava-me o sono, a paz. Eu tinha pesadelos constantemente e não queria sair de casa, ou se saia era com pressa para voltar, porque eu tinha que pelo menos ficar de olho, por perto, atenta (sempre alerta!). Isso na adolescência é um saco porque é nessa época que você, geralmente, vai descobrindo as coisas da vida, é quando você apronta e faz as histórias que contará para as próximas gerações. Eu não, não tenho muito para contar. Naquela época eu mal via minha mãe, ela dormia o dia todo, quer dizer, vivia dopada, e quando acordava era madrugada. Andava pela casa toda e só nos via dormindo. Ela, que costumava fazer nosso café só voltou com a prática anos depois e mesmo hoje em dia, com todos crescidos e independentes, ela faz questão de preparar.
Bom, mas voltando àquele tempo, sem entrar mais em tantos detalhes, essa fase foi difícil para todos: meu pai se jogou com vontade na bebida, minha irmã arranjou mil e uma ocupações, meu irmão, na época uma criancinha passava o dia assistindo ou jogando e, a medida que foi crescendo foi tomando várias responsabilidades para si e hoje parece um velho: não sai de casa, poucos amigos, mania de limpeza e organização. Cada um procurou sua válvula de escape, sua forma de se adaptar e levar a vida até que as coisas melhorassem. Aposto que você está se perguntando por mim, o que esta que vos fala fez: Arranjei minha válvula também, ué: me lancei nos fones, livros e cadernos. Passei a escrever tudo que sentia, refletia ou queria sentir. Inventei histórias, criei novos meios, novos finais e, na boa, acho que não escrevo tão ruim (hoje em dia, pelo menos). Ah, além de arranjar minha válvula e acabei virando pedra, digamos assim, porque né, vamos combinar, era foda, muito difícil encontrar um pontinho de equilíbrio então eu não deixava ninguém mais entrar na minha vida (de problema e choro já bastavam os meus, né mores?!).
Há um tempo, li um texto que dizia que, para se relacionar, as pessoas precisam baixar a guarda, afinal, se você não precisa de ninguém (nunca, para nada) por quê alguém vai querer está perto de você? Autossuficiência em relacionamento é furada pois você se torna uma pessoa que nunca encontrar alguém a sua altura. Sabe que eu achei interessante e até concordei?! Não tinha pensado nisso, mas faz bastante sentido e me identifiquei. Sei lá, pensei na minha vida. Bom, eu me fiz (ou fui feita) dura. Penso que precisei o ser. Era isso ou isso. Sentir medo e pedir colo para a mamãe? Orientação do papai? Nem pensar. Alguém brigou comigo na escola, chorar por isso? Não mesmo (dá teus pulos, garotinha!).
Na falta, eu tinha que me virar e ainda ser essa pessoa pros meus irmãos mais novos. Eu acho que virei uma pessoa que não precisa, emocionalmente de ninguém, criei várias barreiras, cascas e foi isso. Me viro como dá, aprendi a usar os limões que a vida me trouxe, sou a rainha das limonadas (e caipiroskas também).
Alguém tinha que segurar as ponta né, então eu fui. Por mim e por eles. No meio do processo ouvi muita coisa injusta, palavras ásperas carregadas de raiva, do tipo que magoa mesmo e dói sempre que lembrada (por isso bloqueei-as). Chorei quieta e sozinha várias vezes, procurando/pedindo soluções/direções. 
Hoje as coisas são mais "leves". Hoje eu já falo mais sobre isso, procuro textos e filmes emocionais exatamente para isso: para sentir, não ser mais tão dura. Tenho praticado essa coisa de permissão também. Me deixar precisar, querer, não ser uma pedra. Ser mais flor. Kkkkk pode rir, é engraçado. Não sei ser fofa, nem meiga, nem carinhosa. Não cresci assim, segui mais a linha do "ser forte, resiliente, cuidadosa e protetora", mas estou tentando ser mais carinhosa, embora seja um desastre nisso. Atualmente, quando vejo que temos mais dias bons que o contrário, quando a vejo rir não tenho mais medo que após a euforia venha a tristeza profunda e amarga. Hoje sorrio e respiro orgulhosa e aliviada por termos saindo daquela, por ela ter vencido, por estar ali, rindo tanto que chega a chorar.
Sim, hoje estamos bem.

P.S.: Foi um verdadeiro "parto" escrever esse texto. Parir cada frase dessas, que me lembram essa fase. Cada letrinha foi carregada de incontáveis memórias. Por sorte os partos não trazem só dor, há principalmente a alegria do novo, do nascimento, da mudança. Uma nova perspectiva, um novo ciclo se iniciando.

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