segunda-feira, 31 de julho de 2023

Conto de dor

Ele olhou e não pode acreditar. Ela havia voltado após quase um mês desaparecida. Fizeram campanha, ofereceram dinheiro a quem tivesse qualquer informação sobre seu paradeiro, quando já estavam perdendo as esperanças ela apareceu mas na verdade não parecia ela e sim uma outra versão, fria, quase morta andando.
Estava magra como nunca fora, seu cabelo outrora hidratado e encorpado foi estaqueado e os tufos que sobraram eram opacos e quebradiços. As maçãs do rosto estavam marcadas a pele num tom de cinza evidenciavam a falta do sol. Boca sem batom ou sorriso, mas o que mais o chocou foram os olhos: já não tinha olhos sonhadores, apenas um vazio e dor... Ao se aproximar notou manchas roxas, cortes em processo de cicatrização, a mãos não fechava bem e seus dedos estavam estranhamente rígidos.
Ele sentiu as lágrimas queimarem seus olhos e apressou o passo para poder abraçá-la. Ao chegar, ela ergueu os braços com as palmas para cima a nível do tórax e o impediu de tocá-la. Não queria abraçá-lo e pediu que não encostasse. Sem entender ele começou a questionar o que aconteceu com ela, quem fez isso, onde ela estava e todas as perguntas que se faria numa situação dessas.
Com os olhos frios ela contou e ele não esperava pelas palavras que viriam.
Contou que um objeto pequeno e aparentemente sem valor a encantou, com luzes brilhantes ela se viu deslumbrada com o que ele podia proporcionar, sentia que tenha o mundo todo em suas mãos, mas na verdade ele o aprisionou. ela foi consumida, inicialmente de forma lenta e depois cada vez mais intensamente. Não conseguia fazer mais nada, foi tomada pelo medo de perder aquilo que nem mesmo tinha. Tinha medo de tudo, na verdade. Foi abraçada pela ansiedade, roeu as unhas, seu cabelo ficou branco precocemente, ralo e sem vida. Ela não comida devido dor no estômago. Agora ela mal tinha vida, mal sabia o que era alegria real.
Com olhos vidrados e sem emoção contou que ela mesma fizera isso a si e voltara pois conseguiu entender que precisara de ajuda a voltar a ser quem era.
Então ela chorou.