Estava em um sono profundo quando aquele reggae invadiu meu sonho, foi ficando alto, alto, cada vez mais alto, enchendo todo o quarto, até que me acordou. Era o toque de chamadas do meu celular, mas ainda estava escuro, era madrugada. O visor mostrava o nome de quem estava do outro lado. De todas as pessoas do mundo não esperava uma ligação dele. Uma hora dessas. Será que estava tudo bem?
- Alô, aconteceu alguma coisa? Você está bem? - Me adiantei.
- Oi, estou bem. Preciso falar com você, pessoalmente. Posso ir aí?
- Agora? É sério isso? São... - tentei olhar a hora no visor do celular, fazendo careta para proteger meus olhos devido a claridade advinda da tela em contraste com o breu do meu quarto - ...são 4h35! Tem certeza que não pode esperar até um horário, convencional, tipo depois das 9h?
- Por favor, é importante. Além do mais, você já acordou mesmo, eu sei que não conseguirá dormir tão cedo. - Droga, ele me conhece!
- tá, tá, venha.
Isso sim era estranho. Ele? Nem éramos tão amigos assim. Será que ele bebeu? Ou era uma brincadeira?
Mandei várias mensagens, sem sucesso. Ele já estava dirigindo à caminho pelo visto.
Levantei, vesti uma roupa decente, tirei as meias (que foi? faz frio em junho!) e resolvi passar um café, afinal, não dá para ter uma conversa uma hora dessas sem café, né?!
Nem bem coloquei a água no fogo, ele manda uma mensagem. "Cheguei. Vem abrir o portão." Desci.
O semblante dele era de alguém abatido e ansioso. Parecia ter passado a noite acordado. O cabelo estava bagunçado, a camisa avessada, parecendo que saiu sem se importar com detalhes, o que era algo quase preocupante, se consideramos que ele é um perfeccionista nato. Ele não é um metrossexual mas gosta de vestir-se bem e o cabelo está sempre penteado. Carrega sempre consigo uma correntinha de prata, presente da sua avó, (e lá está ela!). Ele é um pouco mais alto que eu, de modo que preciso me por na ponta dos pés para abraçá-lo rapidamente. Antes de entrarmos pude ver que estava tudo bem, sem fraturas, sem hemorragia ou sinais de embriaguez. Ainda assim, algo não fazia sentido.
Já dentro do apartamento, ele estava inquieto, mexendo as mãos incessantemente. Enquanto o café não estava pronto, ofereci-lhe um copo com água.
- Eu não sei como dizer isso, então... lá vai: Tenho pensado muito em você, e acho que estou apaixonado.
Ele jogou assim, enquanto eu trazia o copo. Sentei-me na cadeira mais próxima e tomei a água que era para ele. Oi? Como assim? Que zueira é essa tão cedo? Ok, tudo bem que tínhamos várias afinidades, mas paixão? Não sei quanto tempo fiquei parada olhando para ele, mas pareceu muito porque ele ficou ainda mais inquieto e eu já havia bebido toda a água. Senti-me obrigada a falar algo.
- Então... Desde quando?
Ele deu um suspiro aliviado: - Bom, eu percebi isso há um tempo, depois que retornamos o contato foi ainda mais evidente mas, foi quando nos afastamos novamente que percebi saudade. Ai te liguei e cá estou.
Eu não podia negar uma felicidade crescente. Desde que nos conhecemos percebi nossas afinidades, e elas não paravam de surgir: Músicas, valores, costumes, religião, opiniões... Era absurdamente impossível haver alguém tão parecido comigo que não fosse o espelho (mas ai é aparência física e nisso somos indiscutivelmente bem diferentes). Imaginei se algum dia eu teria coragem de falar algo ou se ele perceberia (ponto para ele). Voltei a falar, quase sem pensar:
- E se eu disser que também já havia notado isso tudo e que acho que poderíamos combinar, seria algo muito clichê e previsível para o momento?
Os olhos dele brilharam imediatamente com isso e ele emendou:
- Seria, mas honestamente, não me importo, e até gosto. Você quer tentar? - Fingi ponderar a pergunta por alguns segundos.
- Seria, mas honestamente, não me importo, e até gosto. Você quer tentar? - Fingi ponderar a pergunta por alguns segundos.
- Sim, eu quero.
Ele abriu lentamente aquele sorriso grande e lindo de criança vendo presentes de natal, não aguento aquele sorriso! Ri junto e quando vi estávamos nos beijando no meio da sala pequena e silenciosa.
Olhando assim de longe até que ficávamos bem juntos: ele relativamente alto, cabelos escuros e bagunçados e com a pele levemente mais clara que a minha. Um cara normal por fora; eu, uma pequena-grande mulher, com cachos soltos (que ele adora que eu sei), pele escura e óculos fundo de garrafa. E ali, no meio da sala percebi que a felicidade nos caia bem.
Não sei quanto tempo durou aquele (fantástico) beijo. Já dizia Saulo "Deixa o beijo durar seu tempo" e nós deixamos de bom grado. "Acordamos" com um cheiro esquisito vindo da cozinha... Ai meu Deus, o café!
Rimos mais um pouco e desistimos do café, eu nem queria café mesmo. Quem precisa de café? ele me olhou e disse: Se o primeiro beijo foi assim, não posso esperar pelos próximos!
Quando nos aproximamos, ouvi um bip-bip incessante. Ele sumiu, o café sumiu e lá estava eu deitada na minha cama. Conferi o celular: 7H e nenhuma chamada, nenhuma mensagem, nada que concretizasse que aquilo foi real. Nada. No fim das contas foi apenas mais uma das cruéis peças que minha mente me prega. Poxa, bem que poderia pegar mais leve da próxima vez! Agora estou sonhando acordada, imaginando as infinitas possibilidades de continuação para aquele sonho, pensando seriamente nisso de declaração, se realmente combinaríamos e se o nosso beijo seria tão bom quanto o que eu provei.
Será?
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