sábado, 31 de outubro de 2015

Parede em branco

Eu sei que esse momento pede que eu seja dinâmica, competitiva, que "mostre serviço". Eu sei que todo mundo tá correndo atrás do seu espaço no mercado de trabalho e que todos estão se capacitando, fazendo sua clientela e seu nome. Eu sei de tudo isso e enquanto o mundo corre contra o tempo eu quero paciência, calmaria.
Aham, tô ligada que o mundo não pára para que eu conserte minha vida e que enquanto eu fico aqui encarando essas paredes meus colegas estão correndo atrás dos seus futuros, coisa que, inclusive, eu deveria está fazendo, mas como posso pensar no futuro se meu passado ainda se faz presente e o presente é uma desordem total? Como posso avançar uma casa se me sinto estancada?
Eu nunca parei, sempre fui uma pessoa elétrica que nunca para de estudar, sair com os amigos, cantar, escrever... sempre estou fazendo um milhão de coisas, quase sempre ao mesmo tempo, mas estando nesse momento de transição eu me dei o direito de parar. Me permiti parar para refletir e respirar e acho que foi a melhor coisa que fiz em anos.
Hoje acordei e dei uma boa olhada ao meu redor, vi duas pilhas de roupas no canto do quarto e penteadeira bagunçada, havia louça na pia da cozinha, sandálias e tênis na sala junto com bolsas e livros por todo o espaço. Os móveis estavam cheios de poeira e casa precisava ser pelo menos varrida há umas duas semanas. Vi que minha casa precisava de mim e estava tão bagunçada quanto eu.
Aquela desordem me incomodou e eu nem sabia desde quando aquilo estava assim então comecei a fazer o que precisava ser feito. Era um trabalho de formiguinha mas eu também não estava com pressa. Levei meu tempo para colocar cada coisa em seu lugar.
Comecei pela sala. Sendo minha casa tão pequena este espaço acaba sendo o multifuncional e ponto de recepção e reuniões com amigos, é o primeiro ambiente da casa. Tirei os objetos da estante, limpei cada peça, mudei os móveis de lugar, mudei tudo de lugar e depois limpei cada pedaço do chão e das paredes. Percebi a sala maior, ficou tudo muito mais claro e eu acabei ganhando uma enorme parede totalmente branca, que parecia estar esperando ser ornamentada e ganhar vida.
A cozinha foi a parte mais fácil. Lavar, organizar cada coisa em seu lugar, reabastecer os armários, isso me deu muito tempo para divagar em meus pensamentos e colocar algumas coisas no lugar. Depois das compras a casa parecia ser habitada novamente (por pessoas, não vampiros). De lá segui para o mais difícil: o quarto. Lá não havia só roupa espalhada, haviam lembranças. Respirei fundo e comecei.
Coloquei toda a roupa suja no cesto da lavanderia, toques os lençóis, organizei meus cremes, perfumes e bijuterias; abri o guarda-roupas e organizei as peças lá dentro. Abri algumas caixas escondidas e lá estavam, as lembranças. Havia um monte de coisa desorganizada, muitas que nem precisavam estar mais aqui. Olhei cada peça, cada papel, cada carta, cada foto. Haviam texto que escrevi e outros que recebi. Os que escrevi me lembraram quem fui, quem eu queria ser e quem eu era agora, vi que mudei muito (envelheci bastante com o processo). Revi tudo, lembrei dos detalhes da época... Algumas pareciam tão surreis, como se nunca tivessem existido, mas as recordações estavam ali, para provar que eram verdades em algum momento. Vi algumas fotos de pessoas que pareciam ser amigas, outras de pessoas que eu nem achava que era amigas mas que estão comigo até hoje. Vi fotos minhas da infância e ri do meu sorriso de criança. Eu era uma criança meiga e fofa, afinal, quem diria?! Revi o rosto dele em algumas fotos, fazia tanto tempo que não o via! E sabe o que acabei percebendo? Que já não havia emoção ao olhar o rosto dele. A lembrança era viva, a foto foi tirada no dia da pré estreia de um filme que fomos assistir. Durante toda a sessão trocamos carinhos, sorrisos e ele fazia questão de me dar pipoca na boca a todo instante. Ele era um bom cara. Guardei a foto.
                 "Tem umas coisas que a gente vai deixando de ser e nem percebe." 
                                                     Caio Fernando Abreu

Após duas horas apenas com aquela caixa, joguei muita coisa fora, partes da minha história que não se encaixavam mais. A caixa ficou meio cheia (ou meio vazia?), abrindo espaço para novas partes de minha história que estão por vir e isso me fez sorrir. Limpei tudo e olhei para o quarto, estava visivelmente mais leve e alegre e eu também me sentia assim.
Por fim lavei o banheiro e, após, me dei ao prazer de tomar um belo banho sem pressa (desculpa Terra, economizei o máximo que pude). Lavei e hidratei o cabelo e o rosto. esfoliei a pele, usei meu óleo de banho favorito. Ao sair da banho, ainda enrolada em uma toalha com cabelo pingando, olhei para minha casa: limpa, simples, organizada e apresentável. Era um espaço aconchegante e que me fazia sentir bem por estar aqui.
Enquanto penteava os cabelos, batendo aquele papo com meus cachos, percebi que minha casa é um reflexo de mim. Eu estava uma bagunça ambulante, me sentia mal e não tinha vontade de fazer nada. Colocar as coisas no lugar em minha casa me deram tempo e estímulo para colocar as coisas no lugar dentro de mim, faz algum sentido? Simultaneamente a ordem veio, junto com a alegria e leveza. Sinto me, pronta para sair por essa porta e seguir as metas que tracei há não muito tempo, sinto que posso fazer muitas coisas e viver tantas outras,
Agora só uma coisa me incomoda: aquela parede branca pedindo para ser alegrada. Seria ela meu novo estado de espírito? Uma tela prontinha para receber histórias, cores e amores? Ainda não decidi se colocarei prateiras coloridas, fotos ou uma pintura bem viva. Talvez todos.
Agora minha casa está pronta para receber amigos e família, agora eu estou pronta para receber sorrisos e afetos. E que venham os amores!





"Eu hoje joguei tanta coisa fora
Eu vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora
A casa fica bem melhor assim"

Tendo a lua - Herbert Vianna

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