sexta-feira, 12 de junho de 2015

Acasos (?)

Acordei correndo, mais uma vez atrasada. Por sorte não trabalho hoje (folga no meio da semana, uhu!). Desde que consegui (enfim) tirar minha habilitação, meu despertador deixou de funcionar, é impressionante como consigo perder a hora! Hoje marquei de ir para a praia com as meninas, e sabendo que elas são tão atrasadas quanto eu, é capaz de eu chegar antes delas. 
Começa a tocar uma música MA-RA-VI-LHO-SA no som e eu me empolgo, como sempre. Acontece que eu sou do tipo que fechas os olhinhos quando canta empolga, algo não muito bacana de se fazer quando se está dirigindo. Não deu outra, o sinal abre e quando vou trocar a marcha, sei lá o que acontece, e o carro morre. Nisso o carro que vinha atrás, bate. Ah, lá se vai minha manhã na praia.
Desço descalça e com um vestidinho de praia branco, que por sorte não é transparente, imediatamente paro ao olhar para a cara do furioso (e agora confuso) homem que bateu na traseira do meu pequeno cherry vermelho.
Ele usava um terno cinza muito bem passado, um relógio bonito e uma barba cerrada bem cuidada, dirigia um C4 e ainda usava aquele perfume. Poderia não o ter reconhecido, se não fossem os olhos puxados e os dentes levemente tortos que ele não corrigiu. Agora, me olhando a raiva sumiu um pouco e deu espaço ao espanto e curiosidade. Despertamos do transe com as buzinas e logo fizemos o que qualquer pessoa envolvida numa batida faz: discutimos. Eu começo;
- Ah, maravilha! Bom dia para você também!
- Você não viu que o sinal abriu, qual o seu problema?
- Bom, o carro estancou. Isso acontece. Você, com pressa quis passar por cima. Deu no que deu. E agora, como resolvemos? Meu seguro cobre esse tipo de coisa.
- O meu também
Ótimo então, problema resolvido, certo? Cada um conserta o seu e fim de papo. Agora, eu preciso correr.
- Vai trabalhar assim? - disse ele sorrindo debochado e com malícia 
- Ha-ha, engraçadinho. Tenho folga hoje, um pequeno privilégio, e estou indo a praia.
Ele riu mais ainda e disse: - Bom, acho que você vai atrasar um pouco mais. Olha, o pneu furou.
Era tudo que eu não precisava agora. Além de está ali, falando com ele depois de anos como se nada tivesse acontecido, ainda tinha que trocar pneu. Eu nunca troquei pneu na vida!
Ok, ok eu aprendi isso na auto escola, não deve ser tão difícil assim: step, macaco, chaves, tudo bem.
Comecei a abrir a mala e tirar o material, totalmente desajustada. 
- O que foi, não tem mais o que fazer não? - Perguntei ao ouvir uma gargalhada dele.
- Tenho, e muita, mas eu precisava ver você tentar fazer isso. Vai, sai daí. - E veio jogando o paletó em cima de mim, dirigindo-se para a troca de pneu.
Enquanto ele cuidava do pneu, peguei minha bolsa, procurei o celular e avisei que iria demorar (se ainda fosse) e expliquei por alto a situação.
Ao terminar de trocar o bendito pneu, ele estava todo sujo e decidiu avisar que não poderia ir ao trabalho naquela manhã. Fiz o mínimo que podia fazer.
- Muito obrigada, acho que eu teria demorado um pouco mais para fazer isso,
- Um pouco? Você não teria feito, admita.
- Qual é? Vai tripudiar agora? Bom, muito obrigada! Como já perdi minha praia e você o trabalho, aceita sair desse sol e tomar uma água pelo menos? 
- É, pode ser. - Disse olhando para o relógio.
Não muito longe dali havia um quiosque e umas mesinhas. Pedi uma água de cocô e ele uma coca. Quebrei o silêncio chato.
- Hey, soube da OAB, parabéns! - ele ficou visivelmente surpreso, mas tentou desfaçar.
- As mães trocaram informações né?
- Bem, sim, mas quando ela me contou eu já sabia. Vi a lista no dia que saiu.
- Viu? Porque?
- Oxi, lembrei que você faria esse ano e você não é a única pessoa que conheço que faz direito!
- Desculpa, é que eu não esperava... Já faz tanto tempo que nos afastamos.
- Faz mesmo, mas nem por isso sou alheia a vocês. Lembro dos aniversários, torço pelas conquistas... Só não estou perto. A vida tem dessas.
Longo silêncio. Ele recomeça.
- Me conte, como você está? Me atualize.
- Estou bem, tenho dois empregos, estou terminando minha especialização e pretendo começar meu mestrado ano que vem. Depois da formatura fiz um estágio voluntário e intercâmbio. Moro só, quer dizer, com meus filhos, duas cadelinhas lindas.
- Você com cachorro, intercâmbio? Uau, agora fiquei impressionado!
- hahaha, besta! Você não sabe como mudei.
- Curioso eu já estou. - ele ficou sério - O que aconteceu naquela época?
Eu sabia do que ele falava e tentei escolher as palavras. Por mais que eu tivesse ensaiado esse momento durante anos, elas nunca vinham de iguais. Cada tentativa um texto novo.
- Aquele foi um tempo complicado, Era um período de transição e muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo. Eu não soube me organizar em meio a tudo isso. Acabou que te deixar de lado pareceu a melhor opção no memento, mas não foi fácil. E talvez nem tenha sido a melhor.
- Pareceu fácil.
- Mas não foi. Acha que não sei dos erros que cometi?  Sei de todos e sinto muito. Não sou tão insensível, afinal. As coisas não saíram como eu esperava. Tudo virou uma confusão sem tamanho e por isso hoje estamos como estamos, conversando como desconhecidos. E nem precisa dizer, eu sei que boa parte da culpa foi minha. Veja bem, não toda. Você deveria se posto no meu lugar uma vez ou outra. Eu sei que você fez bem mais que sua parte para as coisas darem certo... Só que não era o meu momento, eu não estava em ordem com meus pensamentos e sentimentos.
- E agora?
- Agora estou. E já faz um tempo.
- Eu passei meses tentando entender o que aconteceu. Você nunca falava nada e agora falou mais frases juntas do que consegui ouvir sair de uma vez só de você desde que nos conhecemos, e isso é muito tempo, você sabe. Eu passei dias e noites reavaliando tudo que lembrava até encontrar pontos negativos, coisas que eu tenha feito para te afastar, mas não achei. Acabei desencadeando uma raiva que já não cabia em mim. Vê você em qualquer lugar me irritava, pela mágoa que você deixou. Perfeito eu sei que não sou, mas fui um cara legal com você, - tentei falar, mas ele não deixou, estava botando pra fora anos de mágoa acumulada então deixei que falasse. Ele precisava daquilo tanto quanto eu no fim das contas.- não merecia que você resolvesse pular fora, sem uma breve explicação ao menos. Acho que merecíamos um fim mais amigável. Me senti um cachorro velho e de rua. - Ele suspirou profundamente e continuou - Se você não estava bem era só falar. Você só precisava conversar comigo, eu poderia ter ajudado, ter entendido. Acha que eu consigo adivinhar? Esse era o maior problema: você nunca falava, guardava tudo para si, e eu ficava de fora tentando consertar tudo que eu conseguia ver mas, você nunca me deixou ultrapassar suas barreiras, te entender de fato. Acho que eu estive sozinho desde o começo, tentando (em vão) nos fazer funcionar.
Eu não podia descordar de nenhuma palavra, afinal ele estava certo mesmo. Nunca fiz nada por nós. Após um longo silêncio falei:
- Eu sinto muito por tudo, de verdade. Tudo me serviu como um aprendizado e se não tivesse passado por tudo isso não seria quem sou. Espero que o mal que te causei não tenha te tornado um homem frio ou insensível. Espero que não tenha se fechado. Como disse, eu mudei muito, mas uma coisa que se mantem é minha paixão pela literatura, que você nunca soube. Ler e escreve é um binômio que me fascina e me ajudar a entender o mundo externo e interno. Ao longo desses anos escrevi muito sobre nós e sobre você.
- Como é a história? hahaha (Essa frase é muito a cara dele!)
- É são cartas, pensamentos soltos... besteiras minhas.
- Eu gostaria de ler.
- Eu também gostaria que você lesse. Quem sabe um dia.
Conversamos sobre amenidades até que o tempo voou e a vida de gente grande nos chamou. Trocamos contatos e saímos com a certeza de enfim ter nos livrado das mágoas e virado uma página, além da promessa vaga de um reencontro.
Eu sabia que não ia acontecer, ou pelo menos achava que não, até chegar em casa e vê o paletó dele no banco de trás.

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